Descrição: a morte do ex-primeiro-ministro e ex-presidente da república Mário Soares, entre manifestações de pesar e manifestações de regozijo, voltou a trazer à baila uma série de declarações polémicas que alegadamente terá proferido aquando do processo de Descolonização, embora o contexto específico não seja muito claro.
"Atirar sobre os colonos brancos"
O primeiro é um recorte de jornal em que se afirma que Mário Soares terá declarado, em 1974 à revista alemã Der Spiegel, a sua intenção de mandar atirar sobre os colonos brancos.
Veredicto: INEXACTO/SENSACIONALISTA
Efectivamente Mário Soares deu uma entrevista ao Der Spiegel, reproduzida no nº34 de 1974 e o título da entrevista é realmente "Se necessário, atirar sobre os colonos brancos".
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Índice
Página da entrevista
Análise da entrevista.
No destaque na página do índice, Soares admite a existência de tensões entre as raças, mas afirma acreditar que as tropas consigam manter a ordem. Refere ainda que, em caso de emergência, se a população colonial decidir declarar independência, à semelhança do que aconteceu na Rodésia*, será permitido actuarem com armas.
No desenvolvimento da entrevista, o Spiegel questiona Soares acerca da legitimidade da descolonização de África, já que o governo vigente não tinha foi eleito pelo povo, tratando-se de um governo de transição. O Soares responde que isso fora tido em consideração mas, dado os acontecimentos e o que poderia vir a acontecer, achou-se por bem apressar as coisas antes de surgirem mais complicações.
O Spiegel sugere depois, que com certeza haverá muitos portugueses agora a achar que o governo está a ir depressa demais na descolonização, como o que aconteceu no Congo com os belgas. Soares responde que, passados três meses no governo, não acha que estejam a agir rápido demais visto que os acontecimentos têm sido explosivos, até acha que fizeram tudo devagar demais. Sobre o facto de as negociações sobre independência estarem a ser feitas com os movimentos de libertação africanos, Soares afirma que são eles os únicos legítimos representantes do povo. Soares responde que, se se quer alcançar a paz tem de se falar com aqueles que lutam contra nós. Não tem nada a ver com algo político, mas sim com uma avaliação da situação de forma pragmática de situações específicas.
É portanto um artigo que usa um título bastante sensacionalista, aproveitando uma declaração realmente proferida por Soares, então Ministro dos Negócios Estrangeiros, mas aplicada ao contexto de uma eventual declaração de independência unilateral da população minoritária branca das colónias africanas.
* Na Rodésia, procurando evitar a transição do poder para população negra, no processo de descolonização deste antigo território britânico, a população minoritária branca declarou unilateralmente a independência do território em 1965. Seguiu-se uma sangrenta guerra contra os movimentos independentistas africanos durante 13 anos, culminando no regresso ao estatuto de colónia britânica até à realização de eleições. Resultou daí a República do Zimbabwe, agora com governo negro.
"Atirá-los aos tubarões"
O segundo é um recorte em que se reproduz uma solução radical para o problema dos colonos portugueses, que alegadamente terá sido proposta por Mário Soares: "atirar os brancos aos tubarões"
Veredicto: DUVIDOSO
Segundo Pedro Guerreiro, num recente artigo no jornal Público, este recorte será alegadamente de um artigo publicado em 1977 pelo jornal "A Rua", citando o testemunho do correspondente em Lisboa do jornal "O Estado de São Paulo", de seu nome Santana Mota, que estaria por sua vez a citar Mário Soares. Não terá sido no entanto possível encontrar o artigo em que Santana reproduz essas declarações, ignorando-se se foram ditas ou não e, em caso afirmativo, em que contexto terá sido.
A resolução das imagens do recorte que se encontram na Internet é muito reduzida, tornando o artigo muito difícel de ler. Consegue-se no entanto ler a legenda da imagem que acompanha o texto: "AS VÍTIMAS DO DR.MÁRIO SOARES E DOS SEUS CÚMPLICES". O teor desta legenda sugere uma aversão profunda a Mário Soares e uma total ausência de isenção por parte do seu autor, o que não ajuda nada à credibilidade da alegação.
A ler: